Tuesday, September 29, 2009

PETER DRUCKER



Este foi o último artigo feito por Peter Drucker e, como poderão ver, nos cinco blocos a seguir de uma acuidade e lucidez ímpar. Sempre sugiro que o leiam.

A ferrovia

A Revolução da Informação se encontra no ponto em que a Revolução Industrial estava no início da década de 1820, cerca de 40 anos depois de a máquina a vapor aperfeiçoada por James Watt (montada pela primeira vez em 1776) ter sido aplicada a uma operação industrial - a fiação de algodão. E a máquina a vapor foi para a primeira Revolução Industrial aquilo que o computador vem sendo para a Revolução da Informação: seu gatilho, mas também, e sobretudo, seu símbolo. Hoje em dia, quase todo mundo acredita que nunca na história econômica alguma coisa avançou tão rapidamente ou exerceu um impacto maior do que a Revolução da Informação. Mas a Revolução Industrial avançou pelo menos tão rapidamente quanto ela no mesmo espaço de tempo e, provavelmente, exerceu impacto igual - se não maior. Resumindo: ela mecanizou a maioria dos processos manufatureiros, começando com o do produto industrial básico mais importante do século 18 e início do 19: os têxteis. A Lei de Moore diz que o preço do elemento básico da Revolução da Informação, o microchip, cai 50% a cada 18 meses. O mesmo se aplicava aos produtos cuja manufatura foi mecanizada pela primeira Revolução Industrial. O preço dos tecidos de algodão caiu 90% nos 50 primeiros anos do século 18. Durante o mesmo período, a produção de tecidos de algodão foi multiplicada por 150, apenas na Grã-Bretanha. Embora os têxteis fossem o produto que mais chamava a atenção no início da Revolução Industrial, essa também mecanizou a produção de praticamente todos os outros produtos mais importantes, como papel, vidro, couro e tijolos. O impacto não se limitou, de maneira alguma, aos bens de consumo. A produção de ferro e de seus derivados - arame, por exemplo - mecanizou-se e passou a ser movida por máquinas a vapor, na mesma velocidade que os têxteis e com os mesmos efeitos sobre custos, preços e volumes produzidos. No final das guerras napoleônicas, a produção de armas em toda a Europa já era movida a vapor. Canhões eram feitos de um vigésimo a um décimo do tempo anterior, e o custo caiu mais de dois terços. Na mesma época, Eli Whitney tinha mecanizado a manufatura de mosquetes nos Estados Unidos, criando a primeira indústria de produção em massa. Esses 40 ou 50 anos viram surgir as fábricas e a chamada classe operária. Em meados dos anos de 1820, ambas ainda existiam em número tão pequeno na Inglaterra que, em termos estatísticos, eram insignificantes. Psicologicamente, porém, já dominavam (e não demorariam a fazê-lo também em termos políticos). Antes de surgirem fábricas nos Estados Unidos, Alexander Hamilton previu um país industrializado em seu Report on Manufactures, escrito em 1791. Uma década mais tarde, o economista francês Jean-Baptiste Say percebeu que a Revolução Industrial havia transformado a economia, criando a figura do empreendedor.
As conseqüências sociais ultrapassavam de longe a fábrica e a classe operária. Como já observou o historiador Paul Johnson em A History of the American People (1997), foi o crescimento explosivo da indústria têxtil, baseada na máquina a vapor, que infundiu vigor renovado à escravatura. Vista pelos fundadores da república americana como praticamente extinta, a escravidão renasceu assim que o descaroçador de algodão, que pouco depois já seria movido a vapor, gerou uma demanda enorme por mão-de-obra de baixo custo, transformando, por algumas décadas, a reprodução de escravos na mais lucrativa indústria dos Estados Unidos. A Revolução Industrial também causou um forte impacto sobre a família. A família nuclear já era, havia muito tempo, a unidade de produção. Marido, mulher e filhos trabalhavam juntos na fazenda e na oficina do artesão. A fábrica, praticamente pela primeira vez na história, tirou o trabalho e o trabalhador de casa, deixando para trás alguns membros da família. Na verdade, a crise da família não começou depois da Segunda Guerra Mundial. Ela teve início com a Revolução Industrial e era a maior preocupação de seus opositores (e do sistema de produção em fábricas). Provavelmente, a melhor descrição do divórcio entre trabalho e família e do efeito que exerceu sobre ambos é a que Charles Dickens fez em Hard Times (Tempos Difíceis), de 1854. Apesar de todos esses efeitos, a Revolução Industrial, em seu primeiro meio século, apenas mecanizou a produção de bens já existentes. Ela aumentou tremendamente a produção e diminuiu tremendamente os custos. Gerou tanto consumidores quanto bens de consumo. Mas os bens já existiam havia muito tempo. E os produtos manufaturados nas novas fábricas diferiam dos tradicionais apenas por serem uniformes, com menos defeitos que os existentes naqueles feitos pelos artesãos de épocas anteriores. Nesses primeiros 50 anos houve apenas uma exceção, um produto novo: o barco a vapor, viabilizado por Robert Fulton em 1807, que só foi exercer grande impacto 30 ou 40 anos mais tarde. Até quase o final do século 19, os navios a vela ainda transportavam mais carga pelos oceanos do mundo que os navios a vapor. Mas em 1829 surgiu a estrada de ferro, um produto verdadeiramente inusitado, que transformou para sempre economia, sociedade e política. Em retrospecto, é difícil imaginar por que a ferrovia demorou tanto para ser inventada. Estradas com trilhos já eram usadas havia muito tempo para movimentar vagões de carga em minas de carvão. O que haveria de mais óbvio que atrelar o vagão a uma máquina a vapor, em vez de empregar homens ou cavalos para movimentá-lo? Mas a estrada de ferro não surgiu a partir dos vagões usados nas minas. Sua origem foi inteiramente outra. E ela não foi criada para transportar cargas. Ao contrário. Durante muito tempo, foi vista apenas como meio de transporte humano. Só nos Estados Unidos, 30 anos mais tarde, os trens começaram a ser usados para transportar cargas. Na verdade, ainda nas décadas de 1870 e 1880, os engenheiros britânicos contratados para construir as estradas de ferro no recém-ocidentalizado Japão as projetaram para transportar apenas passageiros. Mas, até entrar em operação, a primeira estrada de ferro foi algo que virtualmente ninguém tinha previsto. Cinco anos mais tarde, porém, o mundo ocidental já vivia o maior boom da História: o boom ferroviário. Pontuado pelos picos mais espetaculares da história econômica mundial, esse boom continuou por 30 anos na Europa, até o final dos anos de 1850, quando já tinham sido construídas as principais ferrovias hoje existentes. Nos Estados Unidos, o boom se manteve por outros 30 anos. Em países mais distantes do centro, como Argentina, Brasil, Rússia e China, até a Primeira Guerra Mundial. A estrada de ferro foi o elemento verdadeiramente revolucionário da Revolução Industrial, pois não apenas criou uma nova dimensão econômica, como também transformou rapidamente aquilo que eu chamaria de geografia mental. Pela primeira vez na história, as pessoas tinham mobilidade real. O horizonte das pessoas comuns se ampliou, também pela primeira vez. Elas se deram conta imediatamente de que estava ocorrendo uma transformação fundamental na mentalidade. Um bom relato disso pode ser encontrado naquele que certamente constitui o melhor retrato da sociedade em transição da época da Revolução Industrial, o romance Middlemarch (1871), de George Eliot. Como observou o grande historiador francês Fernand Braudel em sua última obra importante, A Identidade da França (1989), foi a ferrovia que fez da França uma nação única, com uma cultura única. Antes, o país já era um aglomerado de regiões politicamente interligadas, mas cada uma delas girava em torno de seu próprio umbigo. E o papel da ferrovia na consolidação do Oeste é amplamente conhecido na História dos Estados Unidos.

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